Ensino no Brasil: Física x Matemática – Feynman


Encontrei um texto extraído do livro “O senhor está brincando, sr. Faynman”, de Richard Feynman, e resolvi comentar alguns trechos.

Contexto: Na década de 50 ele viveu e lecionou por quase um ano no Rio de Janeiro (ele é dos EUA), neste texto ele contou de forma crítica um pouco sobre sua experiência no Brasil.


“… fui a um exame de admissão para a faculdade de engenharia. (prova oral). Um dos estudantes foi absolutamente fantástico: ele respondeu tudo certinho! Os examinadores perguntaram a ele o que era diamagnetismo e ele respondeu perfeitamente. Depois eles perguntaram: “Quando a luz chega a um ângulo através de uma lâmina de material com uma determinada espessura, e um certo índice N, o que acontece com a luz?
– Ela aparece paralela a si própria, senhor, deslocada.
– E em quanto ela é deslocada?
– Eu não sei, senhor, mas posso calcular. Então, ele calculou. Ele era muito bom. Mas, a essa época, eu tinha minhas suspeitas.
Depois da prova, fui até esse brilhante jovem e… (perguntei) “Você pode me dar algum exemplo de uma substância diamagnética?”
– Não.
Aí eu perguntei: “Se esse livro fosse feito de vidro e eu estivesse olhando através dele alguma coisa sobre a mesa, o que aconteceria com a imagem se eu inclinasse o copo?”
– Ela seria defletida, senhor, em duas vezes o ângulo que o senhor tivesse virado o livro. Eu disse: “Você não fez confusão com um espelho, fez?”
– Não senhor!
Ele havia acabado de me dizer na prova que a luz seria deslocada, paralela a si própria e, portanto, a imagem se moveria para um lado, mas não seria alterada por ângulo algum. Ele havia até mesmo calculado em quanto ela seria deslocada, mas não percebeu que um pedaço de vidro é um material com um índice e que o cálculo dele se aplicava à minha pergunta.”

Tamanha semelhança na matemática! É exatamente isso que eu sinto ao ver provas de admissão ou de qualificação de mestrados em matemática (hoje). O estudante não pode tentar ‘aprender de verdade’, do contrário ele não conseguiria aprovação. Mas, se perguntar de forma diferente alguma coisa que acertou na prova, ele não consegue entender, precisa passar para a linguagem do livro que usou…

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“Uma outra coisa que nunca consegui que eles fizessem foi perguntas. Por fim, um estudante explicou-me: “Se eu fizer uma pergunta para o senhor durante a palestra, depois todo mundo vai ficar me dizendo: “Por que você está fazendo a gente perder tempo na aula? Nós estamos tentando aprender alguma coisa, e você o está interrompendo, fazendo perguntas”.

Era como um processo de tirar vantagens, no qual ninguém sabe o que está acontecendo e colocam os outros para baixo como se eles realmente soubessem. Eles todos fingem que sabem, e se um estudante faz uma pergunta, admitindo por um momento que as coisas estão confusas, os outros adotam uma atitude de superioridade, agindo como se nada fosse confuso, dizendo àquele estudante que ele está desperdiçando o tempo dos outros.”

Quanto aos outros falarem que perdem tempo por causa de perguntas, isso eu sempre ignorei sem dificuldades, é ridículo demais para merecer atenção ou cuidado.

O que me incomoda mais são as reações, olhares, risadas, etc, dos outros estudantes e principalmente as atitudes dos professores (isso em nível superior). Para os estudantes, aluno questionador é no mínimo chato e merece ser discriminado. Para os professores, aluno questionador é desafio que merece ser “abafado”, ou é lento demais para acompanhar a turma.

A maioria dos professores não compreende os questionamentos; e pior, não percebe que não compreende!

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“O principal propósito da minha apresentação é provar aos senhores que não se está ensinando ciência alguma no Brasil!”

Alguma coisa, não sei o quê, me diz que devo esperar ficar mais velho e experiente para comentar este trecho, embora esteja com uma coceira até no… fundo da alma! hehe


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“Ao folhear o livro aleatoriamente e ler uma sentença de uma página, posso mostrar qual é o problema… Eu fiz isso. Brrrrrrrup – coloquei meu dedo e comecei a ler: “Triboluminescência. Triboluminescência é a luz emitida quando os cristais são friccionados…”

Eu disse: “E aí, você teve alguma ciência? Não! Apenas disseram o que uma palavra significa em termos de outras palavras. Não foi dito nada sobre a natureza – quais cristais produzem luz quando você os fricciona, por que eles produzem luz? Alguém viu algum estudante ir para casa e experimentar isso? Ele não pode”.

“Mas se, em vez disso, estivesse escrito: ‘Quando você pega um torrão de açúcar e o fricciona com um par de alicates no escuro, pode-se ver um clarão azulado. Alguns outros cristais também fazem isso. Ninguém sabe o motivo. O fenômeno é chamado triboluminescência’. Aí alguém vai para casa e tenta. Nesse caso, há uma experiência da natureza.”

O mesmo acontece com os livros de matemática, embora seja mais difícil de explicar por não ser exatamente uma falta de relação com a natureza. Depois que eu já tiver falado um pouco no blog sobre o que poderia ser uma experiência na matemática (mais ou menos no mesmo sentido do que é experiência em física, relacionada à natureza) poderei mostrar qual é o problema com os livros de matemática.

De qualquer maneira, perceba o seguinte: quando a pessoa lê uma definição como acima, de triboluminescência, fica uma sensação de necessidade não justificada; parece que a coisa deve acontecer como está escrita ali, sem discussão, sem dúvida, sem possibilidade de questionamento ou experimentação, e os estudantes, meros mortais, devem curvar-se à definição e passá-la aos seus futuros alunos.

Ou seja, a impressão que fica é que a definição é mais importante que a experiência, e quem a formulou tinha total compreensão do fenômeno (tudo bem, um profissional experiente não teria essa impressão, mas um estudante que ainda não sabe direito como se faz ciência, sim).

Agora sinta a diferença: “Quando você pega um torrão de açúcar e o fricciona com um par de alicates no escuro, pode-se ver um clarão azulado… Ninguém sabe o motivo. O fenômeno é chamado triboluminescência”. Assim fica interessante, realmente dá vontade de tentar fazer o experimento! A diferença de como os estudantes percebem essas coisas é fundamental, errar neste ponto é falta gravíssima, se existisse carteira de professor ou escritor de livros didáticos (como tem de motorista) seriam muitos pontos na carteira!

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“… não conseguia entender como alguém podia ser educado neste sistema de autopropagação, no qual as pessoas passam nas provas e ensinam os outros a passar nas provas, mas ninguém sabe nada.”

Como não entendia, Feynman? Não percebe que é muito mais fácil “educar” para passar nas provas do que fazer qualquer coisa de qualidade?

Mesmo que algum aluno perceba que passar nas provas não significa conhecimento, ele não pode tentar ‘aprender de verdade’, ele precisa ver como foram as provas anteriores (prova de admissão ou qualificação de algum curso), pegar a resolução delas com outras pessoas, conversar com várias pessoas que já fizeram a prova… enfim, desenvolver uma estratégia para passar na prova, não aprender o conteúdo. Isso é uma autodefesa numa guerra por sobrevivência!

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